23 de mai. de 2011

E agora José?

José


(Carlos Drumond de Andrade)


E agora, José?


A festa acabou,


a luz apagou,


o povo sumiu,


a noite esfriou,


e agora, José?


e agora, você?


você que é sem nome,


que zomba dos outros,


você que faz versos,


que ama, protesta?


e agora, José?


Está sem mulher,


está sem discurso,


está sem carinho,


já não pode beber,


já não pode fumar,


cuspir já não pode,


a noite esfriou,


o dia não veio,


o bonde não veio,


o riso não veio,


não veio a utopia


e tudo acabou


e tudo fugiu


e tudo mofou,


e agora, José?


E agora, José?


Sua doce palavra,


seu instante de febre,


sua gula e jejum,


sua biblioteca,


sua lavra de ouro,


seu terno de vidro,


sua incoerência,


seu ódio – e agora?


Com a chave na mão quer abrir a porta,


não existe porta;


quer morrer no mar,


mas o mar secou;


quer ir para Minas,


Minas não há mais.


José, e agora?


Se você gritasse,


se você gemesse,


se você tocassea valsa vienense,


se você dormisse,


se você cansasse,


se você morresse...


Mas você não morre,


você é duro, José!


Sozinho no escuro qual bicho-do-mato,


sem teogonia,


sem parede nua para se encostar,


sem cavalo pretoque fuja a galope,


você marcha, José!José, para onde?